Reparação de danos sofridos durante a época do regime militar

O escritório Camila Bergenthal Advocacia e Consultoria Jurídica teve confirmado, através de Recurso Especial, ser imprescritível a ação ajuizada por sucessores objetivando a reparação de danos em decorrência de perseguição, tortura e prisão, sofridos durante a época do regime militar.

Segue o acórdão que garantiu essa conquista:

RELATOR : MINISTRO OG FERNANDES

ADVOGADO : CAMILA PINHEIRO BERGENTHAL – RS068601

RECORRIDO : UNIÃO

DECISÃO Vistos, etc. Trata-se de recurso especial interposto por XXXXXXXXXX contra acórdão proferido pelo TRF da 4ª Região assim ementado (e-STJ, fl. 250): ADMINISTRATIVO. PERSEGUIÇÃO DURANTE O REGIME MILITAR. PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO EM RELAÇÃO AOS SUCESSORES DO PERSEGUIDO, A PARTIR DO ÓBITO. MAJORAÇÃO DA INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS INDEVIDA, POR JÁ TER SIDO FIXADA NO TETO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS MANTIDOS. Desprovimento da apelação e do recurso adesivo. A recorrente alega que o aresto impugnado diverge das jurisprudências do STJ e do TRF da 2ª Região, no tocante à imprescritibilidade da ação de ressarcimento por danos morais e materiais ajuizada em virtude da cassação de mandato de seu falecido esposo, supostamente ocorrida por motivos de perseguição política durante o período da ditadura militar. Salienta que a suscitada imprescritibilidade abrange a pretensão indenizatória dirigida pelos sucessores da vítima, considerando-se a natureza patrimonial da demanda. As contrarrazões foram apresentadas às e-STJ, fls. 297-307. Decido. Quanto à indenização por danos materiais, a Corte de origem concluiu pela improcedência do pleito, haja vista que a parte autora já percebeu, administrativamente, verba indenizatória no valor máximo permitido pela Lei de Anistia. Transcrevo (e-STJ, fls. 245-247): Do mesmo modo, inviável a pretendida complementação da indenização por danos materiais já recebida administrativamente, tendo em vista que foi deferida no valor máximo previsto na Lei da Anistia. Nesse sentido se manifestou o MM. Juiz a quo, in verbis: No tocante aos danos patrimoniais, a autora reconhece expressamente já ter recebido administrativamente a quantia de R$ 100.000,00 (cem mil reais), a título da prestação única (art. 4º da Lei 10.559/2002). Pede, agora, além dos danos morais, cuja pretensão se encontra prescrita, a condenação da União ao pagamento de danos materiais, consubstanciados no somatório dos subsídios de Deputado Federal no período em que seu falecido esposo permaneceu com os direitos políticos suspensos, compensada a quantia já recebida. Quanto a este ponto, não lhe assiste razão. No que interessa à causa, sobre o regime do anistiado político, dispõe a Lei n.º 10.559/2002: Art. 1º O Regime do Anistiado Político compreende os seguintes direitos: I – declaração da condição de anistiado político; II – reparação econômica, de caráter indenizatório, em prestação única ou em prestação mensal, permanente e continuada, asseguradas a readmissão ou a promoção na inatividade, nas condições estabelecidas no caput e nos §§ 1º e 5º do art. 8º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias; (…) Art. 3º A reparação econômica de que trata o inciso II do art. 1º desta Lei, nas condições estabelecidas no caput do art. 8º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, correrá à conta do Tesouro Nacional. § 1º A reparação econômica em prestação única não é acumulável com a reparação econômica em prestação mensal, permanente e continuada. § 2º A reparação econômica, nas condições estabelecidas no caput do art. 8º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, será concedida mediante portaria do Ministro de Estado da Justiça, após parecer favorável da Comissão de Anistia de que trata o art. 12 desta Lei. Art. 4º A reparação econômica em prestação única consistirá no pagamento de trinta salários mínimos por ano de punição e será devida aos anistiados políticos que não puderem comprovar vínculos com a atividade laboral. § 1º Para o cálculo do pagamento mencionado no caput deste artigo, considera-se como um ano o período inferior a doze meses. § 2º Em nenhuma hipótese o valor da reparação econômica em prestação única será superior a R$ 100.000,00 (cem mil reais). Art. 5º A reparação econômica em prestação mensal, permanente e continuada, nos termos do art. 8º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, será assegurada aos anistiados políticos que comprovarem vínculos com a atividade laboral, à exceção dos que optarem por receber em prestação única. Art. 6º O valor da prestação mensal, permanente e continuada, será igual ao da remuneração que o anistiado político receberia se na ativa estivesse, considerada a graduação a que teria direito, obedecidos os prazos para promoção previstos nas leis e regulamentos vigentes, e asseguradas as promoções ao oficialato, independentemente de requisitos e condições, respeitadas as características e peculiaridades dos regimes jurídicos dos servidores públicos civis e dos militares, e, se necessário, considerando-se os seus paradigmas. […] Art. 16. Os direitos expressos nesta Lei não excluem os conferidos por outras normas legais ou constitucionais, vedada a acumulação de quaisquer pagamentos ou benefícios ou indenização com o mesmo fundamento, facultando-se a opção mais favorável.’ Verifica-se, portanto, que a postulação da autora esbarra em expressa disposição legal: a indenização devida é ou em prestação única, ou em prestação mensal, limitada ao valor de R$100.000,00 (cem mil reais), sendo vedada a acumulação de quaisquer pagamentos ou benefícios ou indenização com o mesmo fundamento. Como a autora já recebeu a indenização em valor máximo, não pode agora pleitear uma segunda indenização, cuja causa de pedir é a mesma anteriormente reconhecida pela Comissão de Anistia. (e-STJ Fl.246) Documento recebido eletronicamente da origem. Portanto, acerca do pedido de indenização por perdas e danos e lucros cessantes, tenho que a reparação econômica em prestação única, deferida pela Comissão de Anistia no patamar máximo, abarca o referido pedido de dano material. Essa fundamentação, contudo, não foi objeto de impugnação no âmbito do recurso especial, o que impossibilita o conhecimento do apelo, nesse particular, nos termos do óbice contido na Súmula 283/STF: “É inadmissível o recurso extraordinário, quando a decisão recorrida assenta em mais de um fundamento suficiente e o recurso não abrange todos eles.” Quanto ao prazo prescricional para o pedido de indenização por danos morais, assiste razão à recorrente. De acordo com a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, os sucessores possuem legitimidade para ajuizar ação de reparação de danos em decorrência de perseguição, tortura e prisão, sofridos durante a época do regime militar, sendo tal ação reparatória considerada imprescritível, não se aplicando o prazo previsto no art. 1º do Decreto 20.910/1932. A propósito: ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. ANISTIA. CUMULAÇÃO DE REPARAÇÃO ECONÔMICA COM INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. RAZÕES DO AGRAVO QUE NÃO IMPUGNAM, ESPECIFICAMENTE, A DECISÃO AGRAVADA. SÚMULA 182/STJ. AÇÃO DE REPARAÇÃO DE DANOS MORAIS, EM DECORRÊNCIA DE PERSEGUIÇÃO POLÍTICA, DURANTE O REGIME MILITAR. IMPRESCRITIBILIDADE. AGRAVO INTERNO PARCIALMENTE CONHECIDO, E, NESSA PARTE, IMPROVIDO. I. Agravo interno aviado contra decisao publicada em 26/04/2018, que julgara Recurso Especial interposto contra acórdão publicado na vigência do CPC/73. II. Interposto Agravo interno com razões que não impugnam, especificamente, os fundamentos da decisão agravada – mormente no ponto relativo à possibilidade de cumulação da reparação econômica, prevista na Lei 10.559/2002, com indenização por danos morais. -, não prospera o inconformismo, quanto ao ponto, em face da Súmula 182 desta Corte. III. Nos termos da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, os sucessores possuem legitimidade para ajuizar ação de reparação de danos em decorrência de perseguição, tortura e prisão, sofridos durante a época do regime militar, sendo tal ação reparatória considerada imprescritível, pelo que não se aplica o art. 1º do Decreto 20.910/32. Nesse sentido: STJ, AgRg nos EDcl no REsp 1.328.303/PR, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, DJe de 11/03/2015; AgInt no REsp 1.590.332/RS, Rel. Ministro SÉRGIO KUKINA, PRIMEIRA TURMA, DJe de 28/06/2016. IV. Agravo interno parcialmente conhecido, e, nessa parte, improvido. (AgInt no REsp 1.489.263/RS, Rel. Min. ASSUSETE MAGALHÃES, SEGUNDA TURMA, julgado em 21/6/2018, DJe 28/6/2018) ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE DO ESTADO. PERSEGUIÇÃO POLÍTICA. REGIME MILITAR. INAPLICABILIDADE DO ART. 1º DO DECRETO N. 20.910/1932. ACÓRDÃO EM CONFRONTO COM A JURISPRUDÊNCIA DO STJ. AFASTAMENTO DA PRESCRIÇÃO. I – Na origem trata-se de ação contra a UNIÃO, na qualidade de sucessores, apontando que o genitor se enquadra na qualidade de anistiado político, motivo pelo qual requerem a condenação da ré ao pagamento de indenização por danos morais, em face de arbitrariedades que lhe foram cometidas durante o regime militar. Para tanto, relataram que o genitor, falecido em 29/09/1993, foi preso em meados de abril de 1964, na cidade de Santo Ângelo e conduzido por policiais civis e militares à Delegacia do DOPS e, posteriormente, transferido para a unidade do Exército Nacional local, permanecendo preso incomunicável até o final do mês de maio/junho. Apontaram que o preso foi acusado de ser filiado ao Partido Trabalhista. II – Na sentença extinguiu-se o processo com o reconhecimento da prescrição. A sentença foi mantida no julgamento da apelação III – A jurisprudência do STJ é pacificada no sentido de que a prescrição quinquenal, disposta no art. 1º do Decreto 20.910/1932, é inaplicável aos danos decorrentes de violação de direitos fundamentais, que são imprescritíveis, principalmente quando ocorreram durante o Regime Militar, época na qual os jurisdicionados não podiam deduzir a contento suas pretensões. Nesse sentido: AgInt no AREsp 600.264/RJ, Rel. Ministra ASSUSETE MAGALHÃES, SEGUNDA TURMA, julgado em 05/09/2017, DJe 11/09/2017; REsp 1664760/RS, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 13/06/2017, DJe 30/06/2017. IV – Provimento recurso especial, para afastar a aplicação da norma inserta no art. l.º do Decreto n. 20.910/32, determinando o retorno dos autos à instância de origem, para que dê prosseguimento ao feito. V – Agravo interno improvido. (AgInt no REsp 1.710.240/RS, Rel. Min. FRANCISCO FALCÃO, SEGUNDA TURMA, julgado em 8/5/2018, DJe 14/5/2018) Desse modo, a pretensão recursal deve ser acolhida nesse ponto, a fim de que o Tribunal de origem, afastada a prescrição relativamente ao pedido de indenização por danos morais, decida o litígio como entender de direito. Ante o exposto, com fulcro no art. 932, III e V, do CPC/2015, c/c o art. 255, § 4º, I e III, do RISTJ, conheço em parte do recurso especial e, nessa extensão, dou-lhe provimento, para afastar a prescrição da demanda indenizatória relativamente aos danos morais. Determino o retorno dos autos para a instância de origem para que, superada a prejudicial acima, aprecie o litígio como entender de direito. Publique-se. Intimem-se. Brasília (DF), 07 de novembro de 2018. Ministro OG Fernandes Relator

Brasília, 09 de novembro de 2018.

Ministro OG Fernandes
Relator

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