Reflexos da Estratégia Econômica de Globalização

Resumo: O presente artigo procura uma breve reflexão sobre a estratégia de globalização, a qual tem gerado perda de direitos, agravando a exclusão social e as marcas de pobreza por todo o globo, sobretudo no segmento têxtil. Flagrantes de trabalhadores submetidos a situações análogas à escravidão, tráfico internacional de pessoas, exploração sexual de mulheres e utilização de mão de obra infantil, são práticas recorrentes na indústria da moda, em que pese a existência de esparsa legislação contrária a qualquer tipo de escravidão. Nesse sentir, faz-se premente sejam reavaliadas as estratégias econômicas de globalização, bem como o papel do Estado, enquanto organização política e garantidor de direitos, a fim de que seja combatida a escravidão moderna na indústria global têxtil.

Palavras-chave: Globalização. Reflexos. Precarização do trabalho. Abusos aos direitos humanos. Trabalhadores. Indústria têxtil.

Sumário: 1 Introdução. 2 Da perda de direitos em face da estratégia de globalização econômica. 3 A precarização do trabalho e os abusos aos direitos humanos na indústria têxtil global. 4 Conclusão. 5 Referências.

1 INTRODUÇÃO

No debate atual em torno da globalização, passou-se a observar que, em que pese toda a relevância da formação de mercados globais surge, atrelado ao desenvolvimento, uma fase de inflexão de valores.
A sociedade moderna está impregnada de problemas que não mais deveriam se fazerem presentes na atualidade. Entre os exemplos dessa problemática podemos destacar a escravidão contemporânea, a qual predomina em três principais segmentos econômicos: agroindústria, construção civil e setor têxtil.
Diante deste cenário, o presente artigo terá como foco, a recorrente precarização do trabalho e os abusos aos direitos humanos dos trabalhadores, sobretudo no segmento têxtil. A existência de atividades remuneradas que são realizadas de forma análoga à condições de trabalho escravo, ou ao menos, com diversas violações aos direitos trabalhistas, o trabalho forçado, o tráfico internacional de pessoas, a exploração sexual de mulheres, a utilização de mão de obra infantil, entre outros, são práticas recorrentes na indústria têxtil e caracterizam-se como formas de escravidão contemporânea.
Essas questões são trazidas ao universo jurídico que precisa apresentar respostas, enfrentando estruturas poderosas e violações invisíveis que precisam ser desveladas, a fim de que se obtenha uma globalização que não transgrida direitos humanos e garantias fundamentais dos trabalhadores que atuam no segmento têxtil.
Para auxiliar a caminhada que se tem nesse sentido, busca-se no ponto 2 DA PERDA DE DIREITOS EM FACE DA ESTRATÉGIA DE GLOBALIZAÇÃO ECONÔMICA, introduzir a questão de forma ampla, buscando uma breve reflexão sobre as estratégias econômicas do fenômeno da globalização, as quais vêm ocasionando perdas de direitos por todo o globo, bem como provocando o declínio do Estado, enquanto organização política e garantidor de direitos. Num momento seguinte através do ponto 3 A PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO E OS ABUSOS AOS DIREITOS HUMANOS NA INDÚSTRIA TÊXTIL GLOBAL, será oportuno o enfrentamento da questão, sobretudo no que diz respeito às práticas de abusos de direitos humanos e precarização do trabalho, presentes no setor têxtil, um dos principais segmentos econômicos em que a escravidão contemporânea predomina.
Trata-se de uma abordagem para estimular reflexões sobre a hodierna escravidão humana na indústria da moda, a qual está diretamente relacionada assimétricas relações de poder existentes no âmbito das sociedades capitalistas, com ou sem respaldo legal. Busca-se contribuir efetivamente para a compreensão de que a escravidão contemporânea na indústria global têxtil é uma realidade, a qual deve ser combatida e prevenida por todos os entes da sociedade.

2 DA PERDA DE DIREITOS EM FACE DA ESTRATÉGIA DE GLOBALIZAÇÃO ECONÔMICA

As desigualdades contemporâneas estão associadas ao sistema econômico mundial, baseado na globalização das trocas, sobretudo econômicas. O mercado tem como objetivo primordial a busca incessantemente por aumentar lucros e reduzir custos, com isso promovendo a “abolição dos direitos humanos mais elementares”.
O critério da maximização dos lucros, instituído pela maioria das corporações, acaba por ocasionar inúmeros efeitos colaterais que se colocam à margem da lei. Grandes empresas vangloriam-se com seus elevados padrões de direito do trabalho, enquanto que as condições das empresas periféricas são significativamente piores, “o mercado é transformado em um único valor superior, diante do qual todos os valores considerados inferiores são sacrificados”.
Na tradição dos Estados Sociais, o enfoque sempre foram os Direitos Humanos. A partir do século XIX e grande parte do século XX, a luta passou a ser pela sociedade socialista, pré-definida a partir da propriedade socialista. De acordo com Hinkelammert,
[…] a flexibilização do trabalho, a supressão de direitos que estavam até certo ponto integrados nesses estados de bem-estar, os direitos à saúde, à educação, à habitação, todos assegurados por medidas do Estado social, foram revogados e entregues a empresas privadas. Assim, todos os direitos são anulados enquanto direitos universais.
No entanto, na atualidade é diferente. A flexibilização do trabalho, a supressão de direitos que eram de algum modo preservados pelos Estados Sociais foram entregues a uma série de atores privados. Hinkelammert observa que “as distorções do mercado”, ocasionam a “extinção sistemática dos direitos humanos conforme proclamados na Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU”.
Diante do cenário atual, de acordo com Dezalay e Trubek, uma série de mudanças vêm ocorrendo por todo o globo, entre elas,
[…] mudança nos padrões de produção: os novos sistemas de especialização flexível e a “fábrica global” tornaram-se mais fácil a produção e outras atividades econômicas em muitas partes do mundo, facilitando o deslocamento de atividade econômica de um país para o outro e contribuindo assim para o desenvolvimento de uma nova divisão internacional de trabalho. […] aumento da importância das empresas multinacionais, devido ao fato de as grandes empresas multinacionais estarem agora capacitadas a expandir tanto a produção quanto outras operações por todo o mundo, além de mudar fábricas de um país para o outro, seu potencial de negociação tem se fortalecido e sua importância na economia mundial tem aumentado.
Em face disso, o controle para prevenir e proteger direitos, conforme sustenta Delmas-Marty, seria a “primeira etapa que reforça a eficácia do sistema no que concerne ao respeito dos direitos civis e políticos”.
O fenômeno da globalização fez com que os Estados perdessem suas funções essenciais, permitindo assim o desenvolvimento de um terrorismo em escala mundial, acabou por permitir que as potências dominantes do globo passassem a impor seu modelo de organização política.
A dinâmica da globalização tem se demonstrado “um desafio mais redobrado para os Estados”, em face do desenvolvimento de uma criminalidade transfronteiriça,
ilustrada pelo desenvolvimento das indústrias do sexo (prostituição, turismo sexual, pornografia), a constituição de redes mafiosas transnacionais, a explosão do mercado da droga e a reciclagem dos fluxos de “dinheiro sujo”: uma verdadeira economia negra (avaliada em aproximadamente 1.500 bilhões de dólares, ou seja, 5% da economia mundial, comportando um risco permanente de desestabilização financeira, a importância do dinheiro a “lavar” podendo afetar os equilíbrios do mercado.
A estratégia econômica de globalização acabou por gerar a “cosmopolitização de riscos”, tais como epidemias, difusão de vírus que atacam os sistemas de informática, catástrofes, ecológicas.
Outro efeito nefasto do fenômeno da globalização é escravidão contemporânea, prática que ocorre através de utilização de mão de obra infantil, utilização de mão de obra em condições análogas às de escravo, tráfico de pessoas, exploração sexual, entre outras horrendas práticas que, em pleno século XXI, são recorrentes por todo o globo.
Nesse sentido, é imprescindível que o Estado venha a discutir sobre a perda de direitos, tendo em vista a estratégia de globalização econômica. Conforme afirma Bobbio, na introdução de A era dos direitos,
Direitos do homem, democracia e paz são três momentos necessários do mesmo movimento histórico: sem direitos do homem, reconhecidos e protegidos, não há democracia; sem democracia não existem as condições mínimas para a solução pacifica dos conflitos.
Em face de tais desigualdades ocasionadas pela era da globalização, no final da década de 90, de acordo com Chevallier, ocorrera um processo de “inflexão dos valores” subjacentes à globalização, especialmente sob a pressão crescente dos defensores de uma globalização diferente”. Segundo o autor,
[…] a tomada de consciência dos excessos da globalização conduziu a antecipar a necessidade de uma regulação: essa regulação aparece indispensável, não somente para corrigir as desigualdades de todas as ordens que a globalização gera, mas ainda para garantir o bom funcionamento da economia mundial; a miragem de uma economia mundial capaz de se autorregular está doravante obsoleta.
Surge então, uma “verdadeira ética da globalização” através de novas exigências. A dimensão social passa então a atuar com mais força e, no ano de 1998, a Organização Internacional do Trabalho adota uma declaração reconhecendo direitos fundamentais aos trabalhadores, entre estes: a eliminação do trabalho forçado ou obrigatório, a abolição efetiva do trabalho infantil, a eliminação de todas as formas formas de discriminação de emprego.
Paralelo a este movimento por uma “globalização mais ética”, corporações passaram a adotar códigos de conduta em face às “pressões de poder de movimentos de protesto, ONGs, sindicatos, organizações sem fins lucrativos e opinião pública.”
Ocorre que, em que pese todos estes movimentos, bem como esparsa legislação garantidora de direitos humanos, o Estado continua se mostrando ineficiente na proteção dos trabalhadores que atuam na indústria têxtil global, conforme será explicitado no próximo capítulo.
Diante do atual contexto, a fim de que se possa garantir que os trabalhadores têxteis tenham preservados seus direitos, a questão não seria paralisar ou desacelerar o fenômeno de globalização mas, recorrer ao “discernimento do Estado e do mercado e recuperar a democracia pública como instrumento para controlar a burocracia privada”, objetivando-se assim, a eliminação de práticas abusivas e a precarização do trabalho na indústria da moda.

3 A PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO E OS ABUSOS AOS DIREITOS HUMANOS NA INDÚSTRIA TÊXTIL GLOBAL

O fenômeno da globalização e o aumento do consumo fizeram com que a indústria têxtil incorporasse uma multiplicidade de inovações, as quais ganharam maior intensidade na década de 1980. Graças aos avanços na tecnologia e na velocidade do fluxo de informações, especialmente em países mais afluentes, a população está cada vez mais exposta às influências e estilos de vidas globais.
Com o passar do tempo, a indústria do vestuário tornou-se um dos segmentos econômicos mais lucrativos na atualidade. Entre 2010 e 2013, o segmento têxtil na União Europeia, foi responsável por um volume de negócios estimado em 78 bilhões de euros. No ano de 2015, as vendas de vestuário nos Estados Unidos totalizaram em torno de duzentos e cinquenta milhões de dólares. No mesmo ano, o setor de moda superou o número das vendas em tecnologia, tornando-se número um em vendas online nos Estados Unidos. O Brasil, quinto maior produtor têxtil do mundo, faturou no ano de 2015, em torno de US$ 36,2 bilhões. A receita mundial do mercado da moda, gira em torno de um trilhão de dólares por ano, o que representa quatro por cento do PIB global.
Em que pese todo este destaque econômico do segmento têxtil, a dinâmica atual da globalização, tem ocasionado diversos impactos negativos na sociedade global. Na atualidade, o segmento têxtil está enquadrado entre os principais ramos econômicos que fazem uso de mão de obra escrava. Salários de fome, trabalho infantil e formas de trabalho forçado ou escravo estão disseminados em toda a cadeia de suprimentos do vestuário.
Segundo dados da Fundação Walk Free estima-se que, uma em cada seis pessoas vivas do planeta, trabalhe em algum setor da indústria mundial da moda, fazendo dela a indústria mais dependente de trabalho no globo.
Quanto ao ambiente de trabalho no setor têxtil, especificamente, observa-se a configuração de um sistema exploratório peculiar, onde os locais de labor confundem-se com residências, e os trabalhadores exercem suas atividades em condições extremas de opressão, por salários insignificantes, jornadas exaustivas, extensas e sob precaríssimas condições de saúde e segurança.
A escravidão contemporânea na indústria têxtil, toma maior relevo, em países periféricos e semiperiféricos, onde as assimetrias do poder são gravadas por problemas nacionais crônicos, resilientes, como a concentração de renda e a pobreza de um grande número de pessoas.
Segundo um relatório produzido pela SOMO – Stichting Onderzoek Multinationale Ondernemingen (Centro de Pesquisa sobre Empresas Multinacionais), o qual tem como enfoque o esquema de recrutamento de emprego, denominado regime de Sumangali, no sul do estado de Tamil Nadu, na Índia, revelou que, nesta região, meninas e mulheres jovens são recrutadas e utilizadas em larga escala para trabalhar na indústria do vestuário. Estas, recebem a seguinte promessa: um salário digno, confortável, acomodação e, a maior atração: um valor considerável de dinheiro após a conclusão do seu contrato de três anos.
Entretanto, a realidade do trabalho no âmbito do regime Sumangali é o oposto do apresentado para as meninas e mulheres jovens, durante o processo de recrutamento. Carga horária excessiva, baixos salários, sem acesso a mecanismos de reclamação ou reparação, liberdade de circulação restringida e privacidade limitada são as condições de trabalho ao abrigo deste regime. Por fim, ao final do contrato de trabalho não é concedido qualquer tipo de bônus, mas a retenção de parte da remuneração pelo empregador. Ainda, por diversas oportunidades, as mulheres trabalhadoras nem mesmo recebem a quantia prometida.
O esquema de recrutamento Sumangali tornou-se sinônimo de condições de emprego e de trabalho inaceitáveis. Durante a última década, a indústria de vestuário em Tamil Nadu tem experimentado um grande crescimento. Milhares de fábricas, de pequeno e médio porte, estão envolvidas no complexo processo de transformar o algodão em roupas. A produção das fábricas têxteis de Tamil Nadu é em grande parte destinada para a exportação. Entre os clientes, estão incluídas grandes marcas da Europa e dos Estados Unidos.
Diante deste cenário, constata-se que, grande parte da indústria mundial do vestuário, está caracterizada por más condições de trabalho. Salários de fome, trabalho infantil e formas de trabalho forçado ou escravo estão disseminadas em toda a cadeia de suprimentos do vestuário. Alguns empregados trabalham em condições insalubres e até mesmo altamente perigosas.
No Brasil, tal prática também se faz presente. Uma proporção considerável da produção de vestuário é realizada em oficinas de costura não registradas. A maioria dos trabalhadores imigrantes são oriundos de outros países sul-americanos, como Bolívia e Peru.
Os trabalhadores latinos são, frequentemente, imigrantes ilegais e são forçados ou enganados para estes locais de trabalho, sem ter outra opção. Geralmente, são contrabandeados para o país com documentos falsos e com o acordo forçado de que devem pagar os custos de viagem, muitas vezes exorbitantes, através do trabalho nas oficinas de vestuário. Na chegada, as condições de trabalho e salários diferem do pactuado e seus documentos ficam retidos pelos chefes, como forma de impedi-los de retornarem ao país de origem. Persuasão física, trabalho forçado e assédio são comuns na rotina de trabalho.
Geralmente, residem nas oficinas ou pequenos dormitórios e, rapidamente, acumulam dívidas, que incluem o custo da sua viagem, água, eletricidade e comida. Ainda, são forçados a trabalhar longas horas, às vezes sete dias por semana, por pouco dinheiro. Na maioria dos casos, as oficinas de costura, que empregam trabalhadores imigrantes, produzem para o mercado interno, mas muitas vezes também são ligados marcas internacionais de vestuário. As oficinas tornam-se parte da cadeia de produção, através da terceirização da produção por marcas renomadas.
Quanto ao ambiente de trabalho, especificamente, nas oficinas de costura da grande São Paulo, encontra-se a seguinte situação degradante:
nos fundos das oficinas são erguidos cortiços que abrigam dezenas de trabalhadores em espaços apertados; a higiene deixa bastante a desejar, a fiação elétrica é improvisada, não que se falar em conforto térmico ou em medidas de prevenção a incêndios, botijões de gás são instalados em espaços confinados e há poucos banheiros para uso dos trabalhadores alojados; o maquinário não conta com proteção contra acidentes e as bancadas, assim como as cadeiras, não possuem regulagem ergonômica. É frequente, em tal ambiente, a presença de crianças, algumas auxiliando no trabalho e outras, bebês, sentadas no colo da mãe durante a realização do trabalho.
De acordo com Bignami, “por trás da sólida indústria da moda paulista encontra-se, muitas vezes, o trabalho precário de um trabalhador imigrante irregular”. Os números exatos são desconhecidos, já que se trata de trabalho informal e essa parte desumana da economia não é declarada.
Segundo uma pesquisa realizada pelos Procuradores do Trabalho Rafael Araújo e Luiz Carlos Michele Fabre, restou concluído que:
[…] no setor têxtil brasileiro, estima-se que um dono de oficinas tenha uma vantagem competitiva mensal na faixa de R$ 2,3 mil para cada trabalhador escravizado. É como se uma oficina com dez costureiros iniciasse todo mês com um ganho competitivo de R$ 23 mil. Este ganho advém da não anotação na CTPS, evasão de tributos sobre folha, FGTS, adicionais de horas extras (jornadas das sete à meia-noite, de segunda à sábado), férias e décimo terceiro pelo duodécimo, etc. Ao concorrente, só restam dois caminhos: encerrar as atividades ou nivelar a prática nefasta.
De todo modo, estima-se que dezenas de milhares de trabalhadores indocumentados ou não, participam dessa cadeia produtiva e contribuem diariamente para que a moda produzida em São Paulo, esteja correta e adequadamente costurada.
Em agosto de 2011, um caso foi destaque nos principais veículos de comunicação do Brasil e do mundo. Trata-se do flagrante de trabalhadores em condições análogas às de escravo em uma oficina de costura na capital paulista. Por três vezes, a equipe de fiscalização da Superintendência Regional do Trabalho e Emprego de São Paulo (SRTE/SP) encontrou trabalhadores em situações precaríssimas, produzindo peças da famosa marca Zara, uma marca da Inditex, a pioneira espanhola de renome mundial da chamada “Fast Fashion”.
No local, os obreiros eram submetidos à condições degradantes de trabalho, higiene e saúde no local, que deram origem à lavratura de 30 autos de infração contra a empresa Rhodes, intermediária na contratação daquela oficina para a prestação de serviços:
Foram encontrados 52 trabalhadores, sendo cinco deles brasileiros. O restante do grupo era formado por bolivianos. Na oficina de Narciso Atahuichy Choque, os empregados eram submetidos à jornada exaustiva e expostos a riscos. Além disso, muitos trabalhadores foram aliciados na Bolívia e chegaram ao Brasil devendo o valor da passagem. O alojamento e o local de trabalho estavam em condições degradantes e insalubres. Havia risco de incêndio devido à sobrecarga nas precárias instalações elétricas. Poderia haver explosão, por causa dos botijões de gás de cozinha encontrados irregularmente nos quartos. A oficina funcionava em um imenso galpão de dois andares. No andar superior, ficavam os alojamentos e a cozinha. No inferior, as máquinas. A fiação elétrica estava exposta e o local era muito sujo. Havia um bebedouro, porém somente um copo plástico para todos dividirem. Os pequenos quartos abrigavam famílias inteiras e grupos de até cinco trabalhadores. Alguns cômodos tinham alimentos espalhados, armazenados de forma inadequada. […] A oficina é especializada em calças e bermudas. Uma funcionária da Rhodes costuma visitar e verificar as condições e o ritmo de produção da oficina.
Ocorrências de trabalho escravo na indústria de confecção têxtil, não ficam restritas ao ramo da “Fast Fashion”. Tal prática também ocorre em indústrias detentoras de marcas de luxo. Recentemente, em maio de 2016, na capital São Paulo, auditores do Programa de Erradicação do Trabalho Escravo, do Ministério do Trabalho e Emprego autuaram a marca de luxo Brooksfield Donna, por prática de trabalho análogo à escravidão e infantil.
No local da autuação, foram encontrados cinco trabalhadores bolivianos, incluindo uma menina de 14 anos. Os trabalhadores estavam sem carteira assinada ou férias, trabalhavam e dormiam com suas famílias em ambientes com cheiro forte, não haviam portas nos banheiros e as camas eram separadas das máquinas de costura por placas de madeira e plástico. Ainda, os salários dos trabalhadores bolivianos dependiam da quantidade de peças produzidas, pelo valor de R$ 6,00, em média.
Inúmeros são os exemplos de graves abusos aos direitos dos trabalhadores que ocorrem nas cadeias de suprimentos de marcas e varejistas, em diversos países. Grandes empresas brasileiras, como as Lojas Renner S/A estão, inclusive, inscritas na última “Lista suja”, divulgada pelo Ministério do Trabalho e Previdência Social, em maio de 2016, a qual tem como objetivo cadastrar os empregadores que submetem trabalhadores à condição análoga à de escravo.
Diante do atual cenário, faz-se premente sejam reavaliadas as estratégias econômicas de globalização, bem como o papel do Estado, enquanto organização política e garantidor de direitos, a fim de que seja combatida a escravidão contemporânea na indústria global têxtil. É imperativo sejam realizadas medidas sociais e econômicas que visem erradicar com tais práticas no segmento têxtil. É inaceitável que um mercado gerador de tantas riquezas, silencie-se diante de tais práticas horrendas em pleno século XXI. é inadmissível, que o Brasil e a índia, dois países que compõem o BRICS, grupo de nações emergentes com maior potencial para crescimento econômico do mundo, admitam tais abusos no segmento têxtil.

4 CONCLUSÃO

Na atualidade, um primeiro contato com a palavra “escravidão” pode parecer uma referência ao passado histórico. Contudo, pode-se verificar com o presente trabalho que existem formas modernas de escravidão que se transformaram, assumindo novos contornos, sobretudo no segmento têxtil.
Em termos legislativos, o trabalho é considerado um Direito Humano Fundamental e sua garantia está consubstanciada tanto na Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH), na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 e em diversos tratados e convenções internacionais.
Isto sugere que o desrespeito aos Direitos do trabalhador e sobretudo à sua dignidade, é algo incompatível com às diversas estruturas legais existentes, tanto em âmbito nacional, como também de alcance internacional.
Contudo, como já mencionado, na contemporaneidade inúmeros são os casos de trabalhadores escravizados e crianças abusadas em diversos setores no mundo, sobretudo o têxtil. Nesse sentido, é preciso conhecer as peculiaridades desse fenômeno na atualidade, que pode se constituir através de diversas maneiras, envolvendo trabalho forçado, tráfico internacional de seres humanos, cárcere privado, exploração sexual de mulheres, utilização de mão de obra infantil, etc. Trata-se de violações de Direitos que tendem a revelar o caráter clandestino das ilegalidades produzidas pelos interesses do mercado.
Diante desse cenário, é preciso contar com inúmeras ações conjuntas dos poderes públicos e da sociedade civil, no sentido de estimular um mercado têxtil que seja, em todos os aspectos, basilarmente ético. Sobre essa questão é preciso pensar um desenvolvimento conjuntural e harmônico dos âmbitos político, econômico e jurídico. Um sistema de direitos legais envolto por obrigações juridicamente relevantes. Composto por cortes capazes de proferir decisões obrigatórias e vinculantes; um sistema capaz de persuadir os Estados a cumprirem as obrigações concernentes à direitos humanos. A erradicação do trabalho em condições análogas à escravidão deveria ser uma luta de todos os entes da sociedade.

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